Tesão sem alcoól é amor?

sábado, 16 de junho de 2007

Eu sou do tempo...

Eu sou do tempo de sombra e água fresca.


Eu sou do tempo que meninos brincavam de carrinhos.

Eu sou tempo do tempo que meninas brincavam de boneca.

Eu sou do tempo que os castelos eram de areia.

Eu sou do tempo que a sinfonia era de pardais.

Eu sou do tempo que as melhores recordações eram guardadas no fundo das gavetas.

Eu sou do tempo que achado não era roubado.


domingo, 10 de junho de 2007

Poesia sem serventia

Eu sou uma máquina.
Eu sou uma máquina de sentir saudades, feita para destruir.
Eu destruo, arruíno, extermino, aborto tudo.
Depois, produzo saudades de vários tons.
Com freqüência produzo saudades em tons pastéis com lágrimas vermelhas.

Depois de destruir, arruinar, exterminar, abortar, tudo, eu cato os cacos no chão.
Tento em vão ser uma máquina inteligente e refazer tudo de novo.
Mas nem sempre o que sobrou se encaixa, algumas peças viram pó, e nem as lágrimas, produzidas com a saudade, conseguem moldar em novas peças a poeira do que sobrou.

Eu destruo, arruíno, extermíno, aborto, tudo.
Sou uma máquina que só sabe desfazer, produzir saudades com lágrimas e poeira.

Eu não tenho serventia. Uma tevê faz mais companhia.

sábado, 9 de junho de 2007

O lado B das estórias de amor II

“Eu fico com essa dor ou essa dor tem que morrer.”
“Se ele me deixou a dor é minha só não é de mais ninguém.”

− Já te falei que tá tudo bem comigo... eu tô legal!
− Mas você está estranha já faz um tempão... e agora com essas... essas...
− Essas o quê ???
− Estas músicas de gente deprimida. Eu fico preocupada! Hoje, você já ouviu Janis Joplin, Kurt Cobain, Elis Regina, Cássia Eller, tudo gente que se matou!!
− A Cássia Eller n-ã-o se matou...
− Mas morreu de forma estranha... anyway, você está pensado em se matar por causa daquele cachorro?????
− Leila, já te falei tô bem. N-ã-o e-s-t-o-u p-e-n-s-a-d-o em me matar. Só estou ouvindo minha musiquinha para relaxar. Me deixa em paz!
− Tá bom! Desculpa amiga. É que eu te adoro, tá! Se precisar de alguma coisa, qualquer coisa me liga!
Tumtumtumtum


A Leila está cada dia pior. Eu não a agüento mais. Amiga íntima, confidente e vizinha, eu não merecia tanto! Tudo bem que ela me deu maior apoio quando aquele cachorro foi embora, mas ficar tentando aplicar psicologia barata comigo não dá. Só porque eu rompi um namoro há pouco tempo não significa que eu esteja tomada por um desejo mórbido de me jogar pela janela (até por que isso seria ridículo, moro no primeiro andar) ou cortar os pulsos (e sujar todo o carpete de vermelho). Eu só quero que a Leila me deixe sofrer minha dor. Hoje estou nublada, com instabilidade de ventos e sujeita a pancadas de chuva até o final do período.


“Você não sai da minha cabeça e minha mente voa você não sai não sai não sai. Entre o céu e ...”

Eu sei que aquele cachorro covarde arrasou a minha vida. Mas eu não vou me enterrar por isso. Nunca. Mas preciso de um tempo para voltar ao meu normal. Minha alma tem pouca capacidade de resilência, e ainda há amor residual. Fizemos planos para o futuro e juras de amor. (Aliás, as juras assim como as cartas de amor são ridículas. Eu sou uma ridícula!) Quanto tempo se leva para esquecer alguém?? Eu achei que ia ser fácil. É muito difícil apagar pessoas. Não há delete. Não há mente sem lembrança. Eu esqueço senhas e telefones com tanta facilidade, e não consigo esquecer aquele biltre! Não preciso de nenhum cientista para me dizer que o lado do cérebro onde se grava as senhas e números de telefone não é o mesmo em que gravamos pessoas e más lembranças, mas acho que já era hora de alguém estudar um mecanismo que nos permita guardar pessoas e más lembranças no mesmo lóbulo das senhas e números e vice-versa.
" How ever farway, I will always love you..."

Ai,ai,ai, meu Deus, como estou preocupada com a Soninha. Ela estava tão bem, mas parece que já teve outra recaída. Faz quatro meses, já dava para ela ter esquecido o cachorro. Fica sofrendo por um cara egoísta que só pensava nele, nas coisas dele, no trabalho dele, no quanto ele é especial, divino e maravilhoso... Minha Nossa Senhora, ela está ouvindo “Lovesong” do The Cure, eu sei o que acontece quando...

Trimtrimtrimtrimtrim
− Você está chorando?
− Leila, não é da sua conta. Me abandona!
− Eu sei que quando você escuta esta música você chora. Você me contou, se lembra?
− Leila, eu não sei para que eu conto minhas coisas para você. C-h-o-r-o s-i-m quando escuto esta música. Mas não choro por causa de ninguém! Essa música faz parte do meu baú... é minha memória afetiva.
− Amiga, vamos comigo amanhã na minha terapeuta. Você está deprimida, tem que se tratar.
− Leila, vá a merda!
Tumtumtumtum

A Leila é assim, só porque faz terapia a mais de doze anos acha que é a própria terapeuta. O pior é que as coisas não funcionam nem com ela. Largar o marido ela ainda não conseguiu e olha que eu não precisaria de muitos motivos para largar aquele traste. O cara não trabalha, mas anda de carro o dia inteiro, carro de Leila. Gasta com roupas caras, vinhos e queijos importados, dinheiro de Leila. Fala alto e não tem um pingo de paciência com a Leila. Só falta bater nela. Só porque eu não estou a fim de papo, choppinho ou bar, e prefira ficar em casa ouvindo canções pé-na-bunda não significa que estou deprimida no fundo do poço necessitando de ajuda profissional! E olha que eu nem ouvi ainda “Descobrimento do Brasil” da Legião, não há na história do rock brasileiro cd mais pé-na-bunda.

“Estou aprendendo a viver sem você já que você não me quer mais.”

Agora, sério: quanto tempo se leva para esquecer alguém de quem amou? Ninguém estudou isso ainda?!? Estou desesperada. Não agüento mais pensar nele. São descargas e mais descargas cerebrais de saudades daquele cachorro. Os pensamentos parecem tomar vida própria: eu compro uma roupa e penso que ele iria elogiar; escuto uma música e penso nele, vou a cinema ou a uma peça de teatro e imagino que ele adoraria. Pior, tenho mil conversas imaginárias com ele: eu dando esporo, eu discutido a relação, eu contando o dia a dia. Parece que não acabou... ou que só acabou para ele!

“Você diz que tudo terminou, você não quer mais meu querer. Estamos medindo forças desiguais qualquer um pode ver que só terminou para você. São só palavras, texto, ensaio e cena. A cada ato enceno a diferença do que é amor...”

Que musicas são essas? Coisa mais deprê. Renato Russo se matou?? Ahh, não, acho que ele teve um fim triste, mas não foi suicídio. Morreu de amor ou de amar. Ai que medo da Soninha morrer de amor. Sei de gente que já morreu assim. Uma mulher lá em Campinas esperou durante dias, meses e ano um telefonema, uma carta, um boato sobre o homem que a abandonou grávida, perdeu a vontade de viver e morreu de amor. Teve outra que parou de comer até que o homem que amava voltasse... morreu de inanição. Homem é assim, se for embora você tem que ir atrás, senão ele não volta não.

Peraí, peraí, agora eu acho que ela está ouvindo... Não reconheço... “Diga que me ama que sem ninguém você não vive que foi apenas um deslize, você preza pelo nosso amor. Tenha dó...” Quem canta? Sei lá! Ela está tentando manifestar alguma coisa. É inconsciente. Ela quer o cachorro de volta. Aliás, estou ofendendo os cachorros, animais amigos e fieis aos donos. Aquilo é um rato! Um covarde. Inseguro. Vivia agarrado às saias da mãe e só se movia em função da opinião dos outros. O cachorro (cachorro não, rato) não foi capaz de estender a mão quando ela mais precisou. O que ele fez foi pior que agressão física. Acho que ela devia acender uma vela e agradecer a Deus que ele foi embora! E não ficar chorando pelos cantos e inventando estórias para viver.

TrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrim
− Soninha, tem certeza que não quer que eu vá aí para a gente conversar?
− Leila, eu não quero conversar. Você quer acabar com a nossa amizade?
− Não quer sair tomar um chopp... Ver uns rapazes! Você vai gostar! Vamos???
− V-o-c-ê q-u-e-r a-c-a-b-a-r c-o-m n-o-s-s-a a-m-i-z-a-d-e?
− Não, não querida, claro que não.
− Então me deixa ouvir música em paz!
− Tá bom, amiga. Beijinho.
Tumtumtumtumtum

Eu não deveria tratar a Leila assim, mas é que hoje é um daqueles dias em que se acorda com humor de menstruada sem estar menstruada. Confesso que ando meio azeda ultimamente. É triste estar sozinha depois de tanto tempo. Acho que ao fim de cada relacionamento as pessoas deveriam ganhar um cupom de troca, você não fica sozinha apenas troca de pessoa no posto autorizado mais próximo. É claro que a chance de se trocar uma pessoa por outra com os mesmos defeitos ou defeitos piores é grande, mas aí troca-se de novo o cupom e recomeçar tudo de novo. E se levarmos em conta que não existe a pessoa certa para ninguém e sim relacionamentos bem aparados (como aquelas gambiarras que tinham tudo para não funcionar, mas funcionam!). Creio que a rotatividade é a cura para todos os males. Vamos institucionalizar o cupom!!

“Nosso sonho se perdeu pelo fio da vida, e eu vou embora sem mais feridas sem despedidas eu quero ver o mar...”
Agora a Soninha está ouvindo Vanessa da Mata. Desde que ela terminou com aquele cachorro ela escuta este CD. O que quê eu posso fazer para ajudar minha amiga? Vou me controlar para não ir até lá ou então ligar. Tenho medo de essa menina cometer uma loucura... Eu mesma já tive vontade em uma situação assim! Minha salvação foi a terapia, muito florais de Bach e salão de cabelereiro, não há astral que não levante com uma boa escova e tinta no cabelo e unhas feitas! É isso, Soninha está precisando da alegria de um salão de beleza para tirar este luto do ar.

“Nosso mais belo plano desperdiçado, nossos beijos de outrora foram guardados, nossas juras de amor já desbotadas...”

TrimTrimTrimTrim
− ...
− Tenho hora para duas no salão...
TumTumTumTumTum

O telefone faz trim e meu coração salta, eu atendo, e é a Leila querendo me converter com sua homilia sentimentalóide. Eu não estou interessada e nenhuma destas teorias de consultório sobre relacionamentos, nem estas fórmulas mágicas, que parecem servir para todo mundo, que as mulheres trocam em salão de cabeleireiro e que lêem em revistas de mulherzinha.

Eu não sei por que atendo a esse telefone. Só pode ser reflexo... ou um auto-engano da minha parte. Tá bem, eu sei que, no fundo, no fundo, eu atendo o telefone imaginando que aquele cachorro, de tanto eu pensar nele, por telepatia, lembre-se de me ligar.

Eu vou me mudar deste prédio. Ficar bem longe da Leila. Novos lugares e amigos. Quero mesmo mudar tudo. Quero mudar de mundo, de cidade, de nome e de corpo. Eu quero uma nova fase em minha vida. Nem eu mesmo quero ser a mesma. Me recuso a crer que as coisas possam surgir sempre iguais em lugares diferentes. Não vou mais atender ao telefone. Vou mudar de número também. E além disso, só para escandalizar, vou ouvir funk, no volume máximo, que a Leila vai odiar...

A Soninha podia pelo menos estar menos arredia. Tem que externalizar. Procurar ajuda. Eu desabafo, vou ao terapeuta, vou ao salão. Falo tudo e troco idéia com todo mundo. Não é à toa que relacionamento com meu marido já dura mais de 12 anos, coisa rara hoje. Busco solução. Ele já foi embora inúmeras vezes mais sempre volta é só eu pedir, pois sou compreensiva e aberta ao diálogo...

“Tô louco pra te ver chegar, tô louco pra te ter nas mãos. Deitar no teu abraço, retomar o pedaço que falta no meu coração”.
Meu Deus, a Soninha pirou! Está ouvindo funk. Isto é um lixo. Coisa de quem quer se matar mesmo, réquiem para o inferno. Claudinho e Bochecha, convenhamos ninguém merece! Se ela quer ir ao fundo do poço com a dor dela, ela pode ir. Eu vou para o salão.

TrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrimTrim. Não posso atender no momento, deixe sua mensagem depois do bip.
− Oi, sou eu... tempo, né? Queria saber como você está. Você não me ligou mais. Já conheceu alguém??? Sinto saudades. Me sinto sozinho. Me sinto um rato, um covarde. Um beijo.
Tumtumtumtumtum

“Se eu ligar de madrugada sem saber o que dizer esperando ouvir sua voz e você nem me atender, nem ao menos para dizer que não vai voltar, que vai tentar me esquecer, que eu não fui nada para você, que eu deveria te deixar em paz...”